terça-feira, 15 de julho de 2008

A vida e o pensamento de Spinoza


É muito árdua a tarefa de discorrer sobre os grandes mestres da Filosofia. Tudo deve estar bem condensado e de forma clara, mas como condensar um filósofo tão notável como Spinoza?
O filósofo Spinoza era dotado de um saber e uma cultura ímpares. Suas fontes inspiradoras vinham da filosofia antiga, do pensamento escolástico (em especial Maimônides e Avicebron), das idéias renascentistas (Giordano Bruno e Leon Hebreu) e da modernidade com Descartes e Hobbes.
Reunindo esse elenco genial numa mente brilhante e livre, só poderia resultar numa nova e poderosa ordem de idéias, que garantiu para a humanidade um dos legados mais significativos do pensamento ocidental moderno.
Esgotar suas idéias, assim como de outros baluartes da Filosofia, é impossível. Mas, podemos nos aprofundar no contexto social e histórico em que ele viveu para saber um pouco mais sobre como se atinge esse patamar de genialidade. Conhecer , principalmente, o que o levou a conceber suas idéias e delas não se desvincular até a morte.
Baruch Spinoza nasceu em 24 de novembro de 1632 em Amsterdam na Holanda. Era de família judaica, de origem hispânica-portuguesa, morou na Espanha e em Portugal, tendo retornado à Holanda em busca de maior liberdade religiosa.
Por ser de família abastada, Spinoza pode estudar com bons mestres. Aprendeu o hebraico, o francês, o latim, além da Matemática e das Ciências. Aprofundou seus estudos no Talmude e na Bíblia.
Através do latim, Spinoza conheceu os clássicos e os renascentistas. Daí, em diante, Spinoza aos poucos foi constituindo suas próprias idéias, que o afastaram da religião judaica. Sua independência de pensamento gerou sérias divergências com os dirigentes da comunidade judaica.
Em 27 de julho de 1656, esses atritos culminaram em sua excomunhão da Sinagoga, acusado de “perigosas heresias”. A insatisfação da comunidade judaica residia no fato de Spinoza ter tornado públicas algumas de suas interpretações e reflexões a respeito da Bíblia.
Em decorrência, Spinoza foi abandonado pelos amigos judeus e por parentes próximos. Sendo que, sua própria irmã quis declara-lo deserdado dos bens deixados após a morte do pai. Porém, Spinoza recorreu à Justiça para resolver a questão e foi vitorioso. Depois de ter reconhecido seu direito por ordem judicial, o filósofo recusou-se a receber os bens. Justificando sua atitude da seguinte maneira, pretendia apenas o direito, mas não aceitava os benefícios vindos dele.
A partir de então, o filósofo passa a levar uma vida solitária e modesta, em quartos alugados nos subúrbios de Rijnburg. Em 1660, fixou residência em Voorburg, nos arredores de Haia,onde se dedicou a escrever suas obras.
Para sobreviver, Spinoza produzia lentes óticas para luneta, um ofício artesanal, que necessitava porém de precisão técnica e científica.
Spinoza afastou-se dos amigos judeus, mas não se afastou dos cristãos. Era acolhido e respeitado nos círculos intelectuais cristãos, porém nunca aderiu ou se manifestou favorável ao pensamento cristão.
Convivia com homens poderosos e influentes de sua época como: os irmãos Witt (líderes do Partido Democrático), o cientista Huygens (com quem mantinha correspondência) e o Eleitor do Palatinado que lhe ofereceu uma cátedra na Universidade de Heidelberg, que Spinoza recusou de forma cortês. O filósofo temia que o cargo de professor universitário viesse a limitar sua paz e sua liberdade de pensamento.
Suas obras principais foram publicadas apenas após sua morte. Porém, em 1676, Spinoza publica anonimamente, o “Tratado Teológico-Político”. A obra é um ensaio racionalista de interpretação bíblica e um manifesto em favor da liberdade religiosa. O anonimato é logo quebrado e sua autoria é descoberta. Emergem severas críticas a Spinoza, vindas de todos os ramos de seitas cristãs.
Spinoza então conclui que os homens de sua época não tinham amadurecimento para entender e aceitar a sua filosofia.
Na verdade, havia uma grande contradição entre a mensagem contida no “Tratado Teológico-Político” e a reação crítica provocada.
Foi nessa obra, que Spinoza se propôs a demonstrar que a liberdade da Filosofia é compatível com a fé, a crença, a devoção e a paz social. E, quando suprimimos essa liberdade será o mesmo que destruir a paz e a própria compaixão cristã.
Seu recado não foi percebido pelas mentes hermeticamente condicionadas às religiões e pouco acostumadas a reflexão.
A única obra publicada por Baruch Spinoza em vida, foi uma exposição de forma geométrica dos Princípios de Filosofia de Descartes, acrescida de complementos metafísicos, em 1663.
Baruch Spinoza faleceu em 21 de fevereiro de 1677, em virtude de tuberculose, quando tinha apenas 44 anos de idade.
A obra-prima de Spinoza foi , sem dúvida, “Ética demonstrada segundo a ordem geométrica”. Essa obra teria sido iniciada em 1661 e nela o filósofo trabalhou durante toda sua vida.
Em 1667, após a morte do filósofo, um corajoso livreiro chamado Rieuwertz, edita as obras de Spinoza: a “Ética”, o “Tratado Político”, a “Emenda do Intelecto” e uma coletânea de “Cartas”.
Foi na monumental obra “Ética”, que Spinoza expõe sua ontologia, trata da natureza da natureza das paixões, formula sua moral e sua teoria da liberdade. O filósofo apresenta a “Ética” numa seqüência rigorosa de teoremas que se encadeiam a partir de definições e de axiomas.
Valendo-se do método cartesiano, Spinoza faz a estrutura do real corresponder a um ordenamento semelhante ao que se expressa na Matemática e que, assim sendo, é possível explica-la de acordo com o método de demonstração usado na Geometria.
Porém, divergia de Descartes, que partia do homem para chegar ao conhecimento de Deus. Spinoza partia de Deus para chegar ao homem.
De forma independente, Spinoza se opõe ao pensamento de Descartes, empregando os mesmos postulados cartesianos para refletir sobre as contradições que ele atribuía e considerava inerentes ao sistema do pensador francês.
Spinoza combateu, especialmente, o dualismo substancial cartesiano entre corpo e alma, assim como a idéia de um Deus transcendente.
O Deus de Spinoza não separável do mundo, mas coincide com ele. Esta conclusão estabeleceu a ruptura do filósofo com a tradição judaico-cristã, que concebe Deus como um ente criador e preexistente ao mundo, um ser distinto do mundo.
Partindo da definição clássica de “substância” como aquilo que não precisa de nada para existir, Spinoza à maneira cartesiana, chega a conclusão que: Deus é a própria substância e é único. Se a substância é única, nada se admite que esteja fora dela e, por isso, tudo compreende. Logo, deus é a Natureza! Deus e a Natureza são a mesma coisa!
E o homem, como Spinoza pensa o homem? O homem é, para Spinoza, apenas um fragmento da Natureza. È um modo finito da substância infinita!
Para encerrar, valho-me das belas palavras do filósofo Bergson sobre Spinoza:
“Estava reservado a Spinoza mostrar que o conhecimento interior da verdade coincide com o ato intemporal pelo qual a verdade se coloca, além de fazer-nos sentir e experimentar nossa eternidade. Nós nos tornamos novamente spinozistas, numa certa medida, toda vez que relemos a “Ética”, porque temos a clara impressão de que essa é exatamente a atitude em que o filósofo realmente respira. Nesse sentido, poderíamos dizer que todo filósofo possui duas filosofias, a sua e a de Spinoza.”
Quando estudamos os antigos gregos, percebemos uma coerência entre o que se falava e o que se fazia. Havia uma total preocupação em ter um modo de vida semelhante e condizente com os ideais doutrinários que se defendia. Essa era a melhor e mais significativa prova de credibilidade para um pensador e mestre.
Spinoza seguiu esse ensinamento à risca: sua vida foi plenamente consoante com sua metafísica. Os contemporâneos do filósofo o consideravam pacífico, tranqüilo e sereno. Spinoza pregava que quando o homem se libertasse das paixões e buscasse o conhecimento verdadeiro delas poderia atingir a paz, a tranqüilidade e a serenidade.
O filósofo Spinoza não se vinculou a nenhuma religião ou instituição acadêmicas para não comprometer a sua liberdade de expressão e de pensamento.
O conhecimento racional é o único meio de nos salvar da ignorância e nos permitir o gozo da felicidade que se confunde com o Ser em sua plenitude.
Enfim, estudar o filósofo Spinoza foi conhecer a importância que existe em conservar a liberdade de pensamento e que o homem, verdadeiramente livre, é aquele que conhece pela razão a necessidade das coisas e age de acordo com essa necessidade.
Para finalizar, uma linda reflexão de Spinoza na “Ética”, V, escólio XVIII:
“Na medida em que compreendemos as causa da tristeza, ela deixa de ser uma paixão, isto é, ela deixa de ser tristeza; e, conseqüentemente, na medida em que compreendemos que Deus é a causa da tristeza, experimentamos alegria.”
Salete Micchelini

Da Metáfora ao Conceito




O pensamento mitológico utilizou-se largamente da narração metafórica. Quando o pensamento vale-se da metáfora, constata-se uma linguagem explicativa, com elementos simbólicos e quase poéticos.
Na construção do pensamento mitológico, a metáfora fazia a função comparativa, apresentando uma resposta convincente para as dúvidas do homem da época. As metáforas conseguiam trazer o entendimento de forma singela para uma mente que pouco especulava.
A narrativa mítica não se preocupava com o exagero ou a contradição contidos nas metáforas, pois ela simplesmente se bastava para a compreensão do ser humano. Esse estágio inicial do pensamento aceitava passivamente as explicações e se satisfazia com elas.
Porém, com o surgimento de condições históricas surgiram para que o pensamento filosófico se irrompesse. O pensamento humano se sofisticou, se refinou, tornou-se mais elaborado e requintado pois precisava aplacar as inquietações trazidas por novos questionamentos. Não havia mais lugar para incoerências, fantasias ou contradições.
O homem racionaliza e encontra explicações confiáveis. Elaborar um conceito filosófico exige uma atividade mental consciente, críticas e reflexivas, que se revestisse de idéias lógicas e corretas. O conceito passa a ocupar o lugar da metáfora. No conceito, o pensamento encontra resposta com coerência interna e que ultrapassa o limite da metáfora.
A mente humana se capacitou, se lapidou e atingiu altos níveis de sinapses. O saber mítico que era definitivo e óbvio, tornou-se duvidoso e questionável, possibilitando uma revolução no pensamento.
O pensamento filosófico fez resplandecer o raciocínio!
Salete Micchelini